A decisão do Copom de manter a taxa de juros estável em 14,25% ao ano não foi unânime. Dois membros votaram para a alta de 0,5 ponto percentual. Além disso, houve mudança no comunicado. O documento revelou o desconforto do Banco Central com sua estratégia atual, podendo assim reiniciar o ciclo de alta. A mudança de sinalização foi brusca. Até o Copom de 21 de outubro, o BC afirmava que manter os juros elevados por período prolongado levaria inflação à meta em 2016. Em novembro, estendeu-se o período de convergência da inflação para algo ainda indefinido (horizonte de tempo relevante da política monetária), mas que posteriormente, em 5 de novembro, foi confirmado ser 2017. Agora, nova mudança.
Certamente o BC está lutando para conter a preocupante elevação das expectativas inflacionárias, que já romperam o teto da meta em 2016, enquanto dá recados sobre a necessidade do ajuste fiscal para ancorar a inflação. Ocorre que a decisão de alta de juros não é isenta de riscos devido ao atual momento do país. Seria muito bom se novas altas da Selic fossem garantia de convergência tempestiva da inflação para a distante meta de 4,5%. Bons eram os tempos em que a política monetária tinha maior eficácia – ainda que já não fosse das melhores, em função da elevada segmentação do mercado entre crédito direcionado (subsidiado) e livre, que faz com quase metade do crédito bancário (49%) tenha taxa de juros de 10% ao ano, abaixo da Selic, enquanto que o restante paga 46%, segundo dados de setembro do BC.
Hoje o quadro é mais complexo. A eficácia da política monetária para conter a inflação foi adicionalmente e talvez fatalmente comprometida. Não só porque aumentou o crédito direcionado (estava em torno de 30% na implementação do regime de metas), mas também, e mais importante, porque perdemos a âncora fiscal. Evidência nesse sentido é a dinâmica explosiva da dívida pública, que deve romper 70% do PIB no próximo ano (pelo conceito de dívida bruta).
Considerando o regime de metas de inflação, implantado em 1999, o grave quadro fiscal atual é inédito. Desde meados de 2011 há deterioração persistente dos resultados fiscais, após uma década de superávits primários que oscilavam entre 3% e 4% do PIB. Hoje temos déficits sistemáticos e com tendência de alta. Já a dívida pública, nos vários conceitos, reiniciou trajetória de alta em 2014, após vários anos de bom comportamento (queda ou estabilidade, dependendo do conceito utilizado), com exceção de 2002 devido à elevada tensão pré-eleitoral. O quadro agora é bem mais grave, pois a pressão sobre a dívida pública em 2002 decorreu de crise de confiança, e não de crise fiscal, como é o caso agora.
Neste contexto, a eficácia da política monetária fica muito afetada. Primeiro, pelo próprio impulso fiscal que afeta particularmente a inflação de serviços, dada a natureza dos gastos públicos, com grande peso de despesas de custeio e transferências de renda. Segundo, e agora mais importante, pela trajetória explosiva de dívida, que levou o país a perder o grau de investimento e que, ao impactar a taxa de câmbio (variação de 48% anual) e a confiança, reduz a capacidade do BC de combater a inflação. Elevações da taxa de juros se mostram pouco eficazes para reduzir a inflação ao realimentar dinâmica da dívida pública.
O BC pode até agravar a situação se errar na calibragem da política monetária. Ao pressionar a dívida, pode alimentar o medo de calote e ajudar a jogar a economia em uma espiral de juros- câmbio-inflação. No limite, a política monetária fica passiva, apenas tentando manter a taxa real de juros constante, sem controlar a inflação. Isso não seria novidade no Brasil. Difícil situação a do BC e, ao mesmo tempo, de grande responsabilidade. Como fazer a travessia até ocorrer a arrumação fiscal? O caminho é subir mais a taxa de juros para tentar conter a alta das expectativas inflacionárias, impondo mais custos recessivos e talvez correndo o risco de alimentar mais a inflação ao longo do tempo? Ou seria manter a taxa Selic estável e correr o risco de ter uma convergência ainda mais lenta da inflação para a meta, o que por sua vez também machuca o crescimento? Qual é o melhor erro? Qual risco é mais grave? Abraço de afogado com perda total da âncora monetária em função do risco crescente de insolvência ou inflação mais teimosa por um bom tempo?
Importante ponderar que mesmo sem o risco de jogar a economia na chamada dominância fiscal ou na espiral de juros-câmbio-inflação, um novo ciclo de alta de juros seria mais um golpe sobre a atividade econômica em depressão. O biênio 2014-2015 poderá ter cifras de variação do PIB até piores do que as registradas após a crise de 1929, com contração acumulada de 5,3% entre 1930-31.
O quadro é perigoso. Convém cautela e comunicação adequada. Não precisamos agora de elefante em loja de cristal. Mudanças bruscas de estratégia mais confundem que ajudam. A credibilidade do Banco Central não se mede pelo patamar da Selic, mas pelo combate à inflação. E subir juros pode não ser a real solução ou a melhor estratégia neste momento.
*Economista-chefe da XP Investimentos.